De um artigo que escrevi em Fevereiro de 2005, apresentado, publicamente, a um grupo de não professores.
O que é a Escola?
O Encontro
O Rui é já homem feito. Tem 27 anos. Mas os seus passos são muito arrastados, os gestos muito descordenados e da boca quase não lhe sai um som. Caminhou e continuará a caminhar pela vida de um modo “diferente” da maioria. Uma lesão no cérebro incapacitou-o para o resto da vida, a nível motor. O Rui tem paralisia cerebral. E uma história pessoal. Como todos nós. Paradoxalmente tão diferente e tão igual à de todos nós “normais”.
Conheci-o recentemente pela mão de uma sua antiga professora de Língua Portuguesa numa daquelas tardes dedicadas às compras. A loja do Rui é um pequeno estabelecimento comercial erguido com a colaboração dos pais. As solidariedades de bairro funcionam. Conhecem-no. Ele fica muitas vezes sozinho no estabelecimento. Citando a professora: “Os pais são dois exemplos vivos da coragem de enfrentar a adversidade, lutadores, conscientes da condição do filho mas com a firmeza de olhar dos que sabem trilhar o caminho certo. Ainda bem que o Rui tem aqueles pais”!
Entre vestir/despir calças e saias presenciei que professora e aluno dialogavam. Mas como era isso possível? O mistério decifrei-o na leitura do testemunho escrito daquele já longínquo ano lectivo: “Na hora seguinte, a primeira hora de apoio individual ao Rui comecei por lhe dar mais pormenores a meu respeito e só o seu olhar me sorria ou ficava mais sério. Propus-lhe então um negócio: eu ensinava-lhe a fazer sair do peito os tesouros lindos que ainda ninguém vira e ele ensinava-me a sua linguagem muito mais difícil de dominar do que a minha. Ele percebeu e concordou. E resultou. Hoje entendo sem problemas o que o Rui diz”. Felizmente há professores que não desistem! Qualquer sociedade tem os seus loucos. Bem hajam!
Falam do “Fernão” aos seus alunos, de poesia e sonho e contam-lhes as lutas que uma gaivota teve que vencer com o bando, com a família, os amigos, consigo próprio, etc. Numa aula sobre interesses e ilusões o Rui disse querer ser paraquedista. Alguém comentou: “Mas tu não podes”! Ele esclareceu: “Posso. Em pensamento”! Rui Gaivota, pois claro!
Ajeito-me na cadeira, envergonhada, imaginando por quantas peripécias aquela família não terá passado e por quantas não irá ainda passar. O Rui contou com uma professora que lhe falou do “Fernão”, de uns pais lutadores e de algumas boas vontade, de certo. E com que mais?
A escola básica que o Rui frequentou foi pioneira na integração de alunos portadores de deficiência em turmas regulares. Os alunos seguem um currículo escolar adaptado às suas características.
Em 1994 Portugal subscreveu a “Declaração de Salamanca”, que sintetiza as conclusões sobre escolas inclusivas. “Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem de modo a garantir um bom nível de educação para todos…é preciso, portanto, um conjunto de apoios e serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola”.Em 1997 os professores de educação especial são desafiados a assumir outras responsabilidades. O rosto das escolas muda ainda mais. Estão fisicamente lá todos. Na escola, de todas as cores, culturas, classes sociais, todo o tipo de dificuldades. Mas em cada turma, alguns não falam a língua de Camões, outros apresentam dificuldades motoras e/ou mentais, alguns com dificuldades em diversas disciplinas, outros em fuga à escolaridade, alguns com problemas familiares graves, para não falar nos que cada vez mais apresentam problemas comportamentais de vária ordem.
Conheci-o recentemente pela mão de uma sua antiga professora de Língua Portuguesa numa daquelas tardes dedicadas às compras. A loja do Rui é um pequeno estabelecimento comercial erguido com a colaboração dos pais. As solidariedades de bairro funcionam. Conhecem-no. Ele fica muitas vezes sozinho no estabelecimento. Citando a professora: “Os pais são dois exemplos vivos da coragem de enfrentar a adversidade, lutadores, conscientes da condição do filho mas com a firmeza de olhar dos que sabem trilhar o caminho certo. Ainda bem que o Rui tem aqueles pais”!
Entre vestir/despir calças e saias presenciei que professora e aluno dialogavam. Mas como era isso possível? O mistério decifrei-o na leitura do testemunho escrito daquele já longínquo ano lectivo: “Na hora seguinte, a primeira hora de apoio individual ao Rui comecei por lhe dar mais pormenores a meu respeito e só o seu olhar me sorria ou ficava mais sério. Propus-lhe então um negócio: eu ensinava-lhe a fazer sair do peito os tesouros lindos que ainda ninguém vira e ele ensinava-me a sua linguagem muito mais difícil de dominar do que a minha. Ele percebeu e concordou. E resultou. Hoje entendo sem problemas o que o Rui diz”. Felizmente há professores que não desistem! Qualquer sociedade tem os seus loucos. Bem hajam!
Falam do “Fernão” aos seus alunos, de poesia e sonho e contam-lhes as lutas que uma gaivota teve que vencer com o bando, com a família, os amigos, consigo próprio, etc. Numa aula sobre interesses e ilusões o Rui disse querer ser paraquedista. Alguém comentou: “Mas tu não podes”! Ele esclareceu: “Posso. Em pensamento”! Rui Gaivota, pois claro!
Ajeito-me na cadeira, envergonhada, imaginando por quantas peripécias aquela família não terá passado e por quantas não irá ainda passar. O Rui contou com uma professora que lhe falou do “Fernão”, de uns pais lutadores e de algumas boas vontade, de certo. E com que mais?
A escola básica que o Rui frequentou foi pioneira na integração de alunos portadores de deficiência em turmas regulares. Os alunos seguem um currículo escolar adaptado às suas características.
Em 1994 Portugal subscreveu a “Declaração de Salamanca”, que sintetiza as conclusões sobre escolas inclusivas. “Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem de modo a garantir um bom nível de educação para todos…é preciso, portanto, um conjunto de apoios e serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola”.Em 1997 os professores de educação especial são desafiados a assumir outras responsabilidades. O rosto das escolas muda ainda mais. Estão fisicamente lá todos. Na escola, de todas as cores, culturas, classes sociais, todo o tipo de dificuldades. Mas em cada turma, alguns não falam a língua de Camões, outros apresentam dificuldades motoras e/ou mentais, alguns com dificuldades em diversas disciplinas, outros em fuga à escolaridade, alguns com problemas familiares graves, para não falar nos que cada vez mais apresentam problemas comportamentais de vária ordem.
Para além dos professores disciplinares das turmas, não existem nas escolas portuguesas, como em outros sistemas de Ensino da Europa civilizada, outros técnicos (psicólogos, assistentes sociais, terapeutas) e professores de apoio individual ou pequeno grupo.
Os professores sabem. E…uns vão desistindo gradualmente, outros optam por boiar e…felizmente, ainda há quem vá resistindo! Até quando?
Os professores sabem. E…uns vão desistindo gradualmente, outros optam por boiar e…felizmente, ainda há quem vá resistindo! Até quando?
(...)
“ O Rui ia crescendo em todos os sentidos e, sem me dar conta, eu ia crescendo com ele. O fim de Junho proporciona-nos o adeus temporário às aulas, aos recreios saltitados por passarada colorida e barulhenta. Para mim foi muito mais. Foi um até já ansioso ao miúdo que tanto me ensinou do amor à vida. …O ano está no princípio e à minha espera está uma gaivota muito especial!
Por mim continuo a acreditar no Fernão.
Que nunca as gaivotas nos deixem!”
“ O Rui ia crescendo em todos os sentidos e, sem me dar conta, eu ia crescendo com ele. O fim de Junho proporciona-nos o adeus temporário às aulas, aos recreios saltitados por passarada colorida e barulhenta. Para mim foi muito mais. Foi um até já ansioso ao miúdo que tanto me ensinou do amor à vida. …O ano está no princípio e à minha espera está uma gaivota muito especial!
Por mim continuo a acreditar no Fernão.
Que nunca as gaivotas nos deixem!”
*As aspas, correspondem a excertos do texto do Relatório Crítico da Professora de Língua Portuguesa do Rui, elaborado para apreciação pela Comissão de Avaliação do Conselho Pedagógico da sua escola, para transição de escalão.
Bom Natal!!!
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